Porto Alegre, 28 de maio de 2006-05-28
Minha Cara Srª Daniela,
Tenho tentado ler com atenção o que o Isaiah Berlin escreveu sobre os românticos do século XVIII. Resolvi comentar algumas coisas que mais chamaram-me a atenção pois aos poucos vamos percebendo que o individualismo (afirmado por Fichte) romântico não limitou-se apenas às artes. Antes de avançar, neste ponto me lembrei do livro de Adorno- Horkheimer em que eles abordam o esclarecimento como distanciamento da natureza e da perda do contato com esta ao tentar dominá-la. O Esclarecimento seria a destruição dos mitos, das leis naturais que ainda eram seguidas e que o pensamento iluminista reduziu à meras superstições. O que afetou o sentido da linguagem: como signo(ciência) e imagem(arte). Houve uma separação, um afastamento entre ciência e arte, que antes eram um conhecimento só, integrados. Cada um destes princípios tendem a destruir a verdade.
A Arte que imita a natureza perde sua importância, passa a ser mera representação(imagem) sem que tenha valor simbólico ou um significado maior e perde também sua utilidade pois explica o mundo apenas o imita. O poder de explicar e esclarecer é da ciência, fragmentada pela necessidade de entender as partes de um imenso e complexo sistema que é o Universo. A arte por sua vez passa a ter um domínio próprio, acredito eu, pode ter um universo particular em cada uma de suas manifestações sem que hajam leis externas a regrar seu conteúdo e sua estética. Em certo ponto Berlin afirma que os seguidores de Kant dizem que os valores são criados e não descobertos, e que a Arte se torna o modelo romântico. Ou que a expressão (individual) passa valer mais que qualquer verdade existente. Pois é a expressão o caminho para se libertar do mundo dos antigos, do tradicional e mitológico, e ao mesmo tempo que se rompe com a “lei natural”ou com a mãe natureza tenta se recriar ou criar partindo do “nada” para dominar (e talvez entender) a natureza. A ciência tenta o mesmo mas de outros meios, numa outra visão desta mesma natureza.
Lendo um pouco mais, adiante o individualismo em si, e não a Arte, pode ter inesperadas consequências. Se o homem é livre se pode estabelecer seus próprios valores, então como conhecer o outro indivíduo se ele terá outros valores que podem não ser os mesmos? Esta mutabilidade de valores torna a natureza humana mais complexa. A felicidade deve ou poder ser alcançada a qualquer custo. Não importa como ou que meios são necessários. Os valores morais não são mais necessários se isto me impedir de alcançar meus objetivos. Isto passa a valer para os indivíduos comuns, para as empresas e para as nações. O que me lembrou o Esclarecimento de Adorno-Horkheimer foi que isto criou a noção de um discurso nacionalista que proporcionou o surgimento do regime nazista, expressão máxima e perversa de uma nação que uniu um povo ao redor de um único discurso. Quando o Berlin lembra que imperdoável é “trair aquilo que se acredita” e ressurge um novo herói, não como o mitológico Ulisses que descobre e esclarece através da razão (do qual fala Adorno) mas um uma honra, moral e determinação somente sua. Sob outras configurações poderia dizer que os grandes líderes como Napoleão, mais adiante os grandes líderes e oradores como Hitler e os revolucionários socialistas. Tardiamente também teríamos a figura construída dos “caubóis do velho oeste” a desbravar o mundo selvagem e neles implantar a civilização racional e esclarecida. No campo das artes, Adorno diz que alguns fatores como a especialização (do conhecimento/trabalho) e da organização do capitalismo entre outros permitiram um caos cultural. Pude concluir que determinando além de uma perda de valores antigos, pois o “novo” é o que interessava então, houve perdas do que chamamos atualmente de identidade cultural. Por exemplo, a arquitetura, as artes plásticas tornaram mais homogêneas em várias regiões, mais identificadas com o mundo exterior e seus valores em uma crescente rede de sistemas de comunicação. Uma das contradições que Berlin não aborda, a necessidade de afirmar seus próprios valores e de seus interesses econômicos levaria as corporações e governos à criarem uma cultura de massa (característica já do modernismo). Pode ser que tenha me perdido mas não totalmente. Sabendo que em vários campos há uma revisão sobre o conceito racional do Iluminismo que serviu de modelo por muito tempo (para alguns tempo demais), pode-se imaginar que a revolução de que fala Berlin ainda não está totalmente superada. Talvez nunca seja, ou talvez um pouco mais adiante. Enquanto temos na ciência, uma nova abordagem do universo, o Pensamento Sistêmico (ou o pensamento complexo de Edgar Morin), cuja visão se aproxima, ou pelo menos tenta, da humanidade e natureza integrados de maneira harmônica e coexistente. Ainda temos no modelo atual de desenvolvimento (social-política) uma visão individualista, de superação contínua dos outros e do próprio indivíduo. Sempre temos que ser mais, mais bonitos(todo mundo quer ser que nem modelo da TV), espertos, ágeis (precisamos ter hipercarrões velozes) e mais fortes(como os marombeiros) que os outros, pois senão seremos deixados para trás como afirmava Darwin, ou melhor, Hofstadter usou as idéias do primeiro. Se o capitalismo e a publicidade exacerbam as qualidades do indivíduo tanto para explorar sua força de trabalho como para seu consumo, os socialistas tentam usar idéias para o bem comum construído a partir do trabalho coletivo da classe trabalhadora. Não tenho como entrar em detalhes mas também todos estes modelos estão em xeque.
Enfim, voltemos às artes que vive uma série de crises desde os impressionistas que romperam com os modelos da época, rejeitaram os clássicos e os realistas para ter sua própria visão de mundo. Uma parte se dedicou ao seu próprio mundo, cada vez mais particular e alheio ao redor, outros continuaram a fazer o que valia a pena comercialmente(somente pela estética aceita) e uma parte viria a ser mais ligada à expressão e anseios da sociedade em que viviam. A partir daí que veio a ser a arte contemporânea, muito fragmentada e sem limites definidos pois qualquer indivíduo que se declarar artista pode afirmar que qualquer coisa, objeto ou mesmo idéia, é arte. Não há realmente necessidade de ter habilidade e qualquer meio que o indivíduo estabeleça é uma expressão de arte. O caos cultural que Adorno falava é maior que se imagina. As Bienais de Arte e o grafite de rua estão aí para todo mundo ver o máximo da expressão individual baseada em valores infinitamente particulares.
Tenho receio de uma coisa, que muito poucos percebem, o caos cultural e a grande comunicação de massa aliados ao individualismo estimulado estão abrindo caminho para governos mais totalitários que se imagina, mas isto é assunto pra outra aula. São 05:05 da manhã e eu me empolguei com esta carta, devia tê-la escrito e discutido antes. Poderia render mais páginas... quem sabe outra hora.
Abraços, Adreson.
P.S.: Poderíamos versar um pouco mais sobre Morin, Darwinismo Social e a Dialética do Esclarecimento mas sei que o tempo das aulas não é suficiente.
segunda-feira, maio 29, 2006
Carta sobre Revolução Romântica de Berlin, Isaiah
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