quinta-feira, novembro 17, 2005

QUEM TEM MEDO DA ARTE CONTEMPORÂNEA?

Luciana Gruppelli Loponte¹

Faço parte de um grupo seleto, estranho até, para os olhos de alguns. Às vezes temos uma cor diferente em nossos cabelos ou em nossas roupas. Andamos carregadas de livros de arte e catálogos, nossas bolsas pesam. Quando nos encontramos, nos reconhecemos e fazemos perguntas como: “já foste a Bienal?”. Sim, por que é obvio que vamos a Bienal de Artes Visuais do Mercosul. Esperamos esse momento ansiosamente, contamos os dias, nos preparamos muitos meses antes para esse evento, como uma criança que espera o dia de ganhar presente no Natal ou brigadeiro em festa de aniversário. Vasculhamos nossos livros, ficamos horas a fio atrás de informações de artistas na Internet, trocamos idéias com colegas: “alguém já descobriu algo sobre o artista tal?”. Época de Bienal é tempo da arte estar na mídia no Rio Grande do Sul, época em que a arte contemporânea invade a cidade, oportunidade rara, imperdível, em que a capital dos gaúchos torna-se, mais do que nunca, um pólo cultural. Eu? Sou professora de arte. E provavelmente não sou daquelas professoras de “educação artística” que você teve na sua infância ou adolescência, que fazia você pintar desenhos mimeografados de índios apache para o Dia do Índio, recortar gravatinhas para o Dia dos Pais, cartões de corações melosos para o Dia das Mães, ou os indefectíveis pinheiros e papais noéis colados de algodão para o Natal. Eu e muitos, fazemos parte de uma geração de docentes que quer levar a arte para dentro da escola, esta arte que nos invade cotidianamente em um mundo cada vez mais visual. Queremos que a arte faça pensar, que instigue nossos alunos a refletir sobre o mundo em que vivem, a usar sua capacidade de criação e invenção para fazer deste mundo, um lugar melhor para se viver. A arte contemporânea é um prato cheio para isso, está prenhe de metáforas, repleta de poesia. Mas quem sabe disso? Ou, quem quer saber? Ao visitar a Bienal com minhas alunas de Pedagogia, tive o prazer de vê-las, orgulhosamente, debatendo arte contemporânea com os mediadores, sorvendo cada detalhe, com os olhos brilhando ao depararem-se com as obras dos artistas que já haviam conhecido antes através de pesquisas. Estas alunas, futuras professoras de educação infantil e de séries iniciais, até há pouco tempo achavam que arte era no máximo a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, e que os desenhos das crianças eram tão somente rabiscos inúteis e sem importância. Estas futuras professoras estão, aos poucos, superando aqueles comentários do senso comum que já estamos tão cansados de ouvir: “se isto é arte, então vou virar artista”, “isso até meu filho pequeno faz”, “me sinto burro diante dessas obras” ou comentários mais sofisticados, como pudemos ler em uma crônica de domingo neste jornal (“As novas galerias de arte”, 13/11/2005): “Quanto mais vou a exposições de arte contemporânea, mais me desaponto”. Talvez precisemos voltar novamente ao slogan da última Bienal: “a arte não responde, pergunta”. Se você quer respostas prontas e fáceis, vai logo se desapontar com uma exposição como a Bienal do Mercosul. Há beleza sim que vai além do nosso “olhar renascentista” e contemplativo ao qual estamos tão acostumados. Há beleza nas metáforas de uma artista como Adriana Varejão que esconde vísceras em azulejos aparentemente inocentes e bem comportados; nas camisas enfileiradas, costuradas e esvoaçantes de José Resende; no boxeador diminuto e sua sombra gigantesca do artista argentino Sandro Pereira; na pintura tridimensional e cheia de texturas surpreendentes de Nuno Ramos; nos vestidos carregados de memória de Alessandra Vaghi; nos cortes e dobras poéticas em puro ferro de Amílcar de Castro, apenas para citar alguns. Vá a Bienal. Deixe-se tocar pelas obras, deixe-se surpreender. Não tenha vergonha ou medo de perguntar aos mediadores, informe-se, pesquise, dispa-se de seu olhar carregado de preconceitos sobre o que é ou o que deveria ser arte, deixe-se levar pelas metáforas, você não precisa gostar ou entender tudo, mas não precisa rejeitar antes de realmente conhecer. A Bienal pode sim abrir os olhos da cidade, desde que ela queira ver.



1 Professora do Departamento de Educação da UNISC, Doutora em Educação, presidente da AGA (Associação Gaúcha de Arte-Educação).

domingo, novembro 13, 2005

As novas galerias de arte

Martha Medeiros - no caderno Donna, ZH, 13 de novembro de 2005

O desapontamento com a arte contemporânea me leva a buscar outras
galerias de arte: as livrarias.

Quanto mais vou a exposições de arte contemporânea, mais me desaponto..
Ainda não visitei a nossa Bienal, mas as duas últimas exposições que visitei no Exterior - e eram consideradas pela crítica uma amostra do que de melhor a nova geração de artistas do mundo inteiro está realizando - provocaram-me apenas tédio. As obras (e estou sendo gentil em chamar alguns ferros-velhos distorcidos de "obra") eram, em sua maioria, desesperançadas, rudes e sem sentido algum. Um retrato do
mundo contemporâneo? Sei que é. Mas eu sou do tempo em que a arte despertava alguma emoção - não necessariamente júbilo, podia também ser revolta, espanto, medo, mas comovia de alguma maneira. E, o mais importante: havia um compromisso com a beleza, um pacto que já não existe e que me faz falta. Esculturas, quadros e gravuras precisam estabelecer alguma relação com os meus olhos, não apenas com o meu cérebro. E a verdade é que meus olhos não se acostumam com essas instalações frias, feias e pretensamente geniais, salvo raríssimas exceções. Então ando buscando outras galerias de arte.
Livrarias, por exemplo. Não, não mudei de assunto, continuo falando de arte e beleza: capas de livros são hoje o que de melhor está sendo criado em termos de design gráfico.
É uma embalagem, não é outra coisa. Mas nem por isso é arte menor. As grandes editoras descobriram a importância de seduzir antes de a primeira página ser aberta, e estão investindo na contratação de profissionais que sabem transformar uma simples capa num objeto de desejo.

Não há nenhuma garantia de que um livro com uma bela capa contenha uma história empolgante - uma coisa não está relacionada à outra. Uma capa lisa, franciscana, trazendo apenas o título e o nome do autor, pode ser mais que suficiente como apresentação, pois o que interessa mesmo está lá dentro. Mas beleza não é supérfluo, e o livro não se corrompe ao se render às leis de mercado. É um produto. Intelectual, mas um produto. Precisar atrair, destacar-se, vender-se. Só temos a comemorar o fato de as livrarias terem deixado de serem lojas soturnas para
transformarem-se em pequenas galerias que expõem arte contemporânea da melhor qualidade, produzidas por nomes como João Baptista da Costa Aguiar, Moema Cavalcanti, Victor Burton, Silvia Ribeiro, Ettore Bottini, Raul Loureiro, Marco Cena, Silvana Mattievich. Salve o fim da rigidez e da cafonice das capas de outrora. Nada melhor do que um livro bom e, de quebra, bem vestido.