segunda-feira, junho 15, 2009

História e crítica da arte: o debate crítico contemporâneo a partir de uma proposição.


Maria Cristina Pereira de Souza - 00141830 Porto Alegre 2009

Texto de referência:
MAMMÍ, Lorenzo. À margem. Ars: publicação do Dep. De Artes Plásticas. da Escola de Comunicação e Artes da USP. São Paulo, Vol.1, n.3, 1º Semestre de 2004, pp.80-101.





Lorenzo Mammí inicia o texto diferenciando 3 fases da arte ocidental quanto a sua relação com o espaço ao seu redor. |Ele começa mencionando que na fase pré-renascentista a obra de arte tem o estatuto de coisa colocada em espaço comum, que é um objeto material e seu valor é determinado pelos materiais que ela compõe somado da qualidade do trabalho. Porém, podem ser acrescentados a esse valor outros valores, como por exemplo, de uma imagem sagrada, sem que esta segunda atribuição de valor dependa de procedimentos relevantes à execução da obra.

Na segunda fase, a fase renascentista, a mudança é radical, pois os artistas reclamam para si o estatuto de intelectuais e a obra se torna “coisa mental” que passa a ser um objeto ambíguo e pertence ao mesmo tempo a 2 lugares: o lugar físico enquanto coisa que ocupa um espaço real e um lugar mental enquanto forma de conceito e sendo assim inatingível. Essa transição de um estatuto a outro da obra de arte torna-se um problema, porém esse problema encontra solução nas molduras e pedestais renascentistas que assumem uma função autônoma administrando e graduando a transição da obra ao ambiente e vice-versa. As molduras tornam-se tão convencionais a ponto de não serem percebidas conscientemente e os pedestais dos conseguem afastar a obra do espaço comum.

Na terceira fase, a do modernismo com a pintura invadindo a moldura ou com o desaparecimento da moldura, os mecanismos de proteção das obras de arte enfraquecem, pois com o pensamento moderno separando a realidade material da realidade espiritual, a obra fica desamparada do mundo e seu estatuto de coisa especial é ameaçado. Para manter esse estatuto seria necessário extrair da própria obra a estranheza em relação ao seu espaço comum ou fazer especial a maneira como a obra será apresentada.

Greemberg em sua defesa da autonomia da arte levantou o problema quando apontou para a ambigüidade da pintura moderna, para a materialidade declarada por um quadro moderno e sua recolocação no mundo. Todavia, aponta também que esse quadro é ao mesmo tempo uma imagem plana, radicalmente bidimensional, e, portanto um espaço que se opõe ao espaço natural. Greemberg observa que a planaridade da pintura cubista obrigava a composição a se afastar da bordas do quadro, condensando-se no centro da tela de maneira a disfarçar a passagem entre espaço pictórico e espaço natural. Tentando evitar esse problema, a escola de Nova York tem uma solução alternativa derivada de Monet. Na superfície expandida de Pollock, Rothko e Barnett Newman, já não há mais uma escala comum entre visão de longe e de perto. As bordas são levadas até o limite de nosso campo visual.

Segundo Michael Fried, uma maneira mais sutil de lidar com as margens seria tornar o formato do suporte e o contorno da pintura, reciprocamente dependentes, fazendo parecer que um deriva do outro e vice-versa. É o que se pode observar nas obras de Frank Stella. Antony Caro, por sua vez, inspirado nas pinturas de Matisse, Picasso e Mantegna, faz sua obra em uma série de esculturas de figuras fragmentadas e planares, independentes entre si, de acordo com o ponto de vista do espectador. Nenhuma das figuras pode aspirar separadamente o estatuto de verdadeira forma do objeto e assim como as coisas pintadas não compartilham nosso espaço, estão em outro lugar que podemos olhar e não tocar apesar de continuar sendo algo tridimensional, que se apóia num plano que é real. Esse plano, então, torna-se o problema que na pintura é encarnado pelas bordas. A que espaço pertence esse plano? Ao da obra ou ao nosso?

Quando Antony Caro começa a trabalhar com esculturas menores, coloca-as em pedestais e deixa sempre um ou mais elementos caírem para além do plano de apoio, cercando-o de maneira a torná-lo insubstituível apesar de ser real, ainda que a escultura a trate como uma representação.

Na comparação que o autor faz entre Antony Caro e Hélio Oiticica, diz que seus caminhos se cruzam apesar de partirem de intenções e sensibilidades opostas. Oiticica parte da pintura, mas quer expandir o plano pictórico no espaço trazendo o mundo para dentro da pintura enquanto que Caro, ainda raciocinando em termos da autonomia da arte, quer trazer para dentro da pintura a obra de arte tridimensional.

Na luta para a afirmação de um espaço específico da obra de arte, não é só a obra que muda de aspecto, o lugar também sofre modificações. Na medida em que a arte modernista madura chama a si a responsabilidade dos contornos da obra, torna-se necessário que o lugar ao seu redor seja totalmente sem expressão, para que não interfira no quanto do caráter objetual da tela o artista queira tornar evidente para o observador. O espaço da galeria passa a representar o espaço natural.

Rosalind Krauss, discípula de Greemberg, abordou a questão das bordas partindo de um ponto de vista oposto ao de Fried. Ela recua no tempo até o embate entre cubismo, surrealismo e dadaísmo e transfere o problema para o interior da imagem. No cubismo e dadaísmo a descontinuidade entre um elemento e outro, transforma a percepção em um sistema de signos. A percepção da imagem torna-se semelhante à leitura de um texto, sem que haja apreensão instantânea da imagem inteira. No surrealismo a passagem de um fragmento e outro é a mais fluida possível. A distinção entre espaço real e espaço imaginado não é observada imediatamente, mas há uma impossibilidade lógica que nos obriga a separar mentalmente algo que se apresenta num contínuo.

Analisando a produção de Giacometti da década de 1930, Krauss observa que a estrutura de ferro que enquadra o gesso Bola-suspensa (1930-31) é ao mesmo tempo sustentação, palco e parte da escultura. Giacometti, já nos meados da década de 1920 intuía que era necessário reconstruir o espaço da obra. Ele elaborou uma obra que carrega seu próprio espaço e, portanto não pode ser mal exposta. Já os surrealistas e dadaístas inventaram modalidades de exposições que conferem sentidos artísticos a objetos incoerentes ou banais e esses objetos se forem mal expostos podem se desfazer ou voltar à banalidade como, por exemplo, os readymades.

O cenógrafo teatral austríaco Friedrick Kiesler já defendia, na década de 1920, uma idéia de espaço ilimitado abolindo o espaço entre palco e platéia (Teatro sem fim 1923-4). Aplicando esses conceitos passou trabalhar em Nova York com as vitrines das lojas Saks onde usava recursos de iluminação e cenografia de modo a criar uma aura que circundava poucos objetos isolados. Mais tarde Kiesler colaborou com exposições surrealistas usando recursos cenográficos bem próprios do universo surrealista. Já o cubo branco das galerias não é tanto uma cenografia, quanto um signo e nasceu da exigência de uma obra de arte que pretende resolver a questão do espaço dentro de seus próprios confins. Esse tipo de sala construída para ser neutra, tornou-se, um valor em si: indica de antemão que o objeto que está nela é uma obra de arte, capaz de proporcionar uma experiência estética que exige certo silêncio. Em relação ao minimalismo pode-se dizer que seja necessário que as obras estejam dentro do cubo branco da galeria ou em condições especiais. As obras minimalistas precisam de um lugar que as qualifique de um espaço que as transforme em obra.

O cubo branco da galeria alcançou o máximo de seu poder na época da Pop e do Minimalismo, porque foi nessa época que o estatuto de obra de arte enquanto objeto especial começou a ser questionado. A aura já não emana naturalmente do objeto, depende de uma série de operações entre as quais está a colocação em um espaço destinado institucionalmente à arte. E se é o espaço que detém o valor da obra então o objetivo do artista será sua ocupação.

Saindo da galeria, a geração de Richard Serra e Robert Smithson abordou os espaços mortos, invisíveis por falta de sentido, embora estejam debaixo de nossos olhos. E nesse contexto a questão do espaço da arte se transforma em uma questão de lugar. Nas décadas de 19760 e 70, época de ouro das exposições de massa de arte de vanguarda, não é mais possível utilizar um espaço neutro que valha para todo o tipo de intervenção artística. O espaço de exposição passa a se não mais as galerias dos museus, mas sim as cidades ou as regiões. A figura do colecionador que guarda suas obras em casa torna-se obsoleta, assim como os espaços dos museus que não tem mais como guardar as obras contemporâneas.

Na década de 1980, com a volta à pintura o lugar da arte volta a ser o sujeito, mas um sujeito invadido, mera produção bidimensional de uma multidão que desapareceu e abre espaço para o desaparecimento do lugar, o desaparecimento do espaço da arte enquanto lugar público. Um exemplo desse desaparecimento é dado por um estilo de montagem que usa salas muito escuras, em que apenas o objeto exposto é iluminado. A obra é fruída individualmente, com uma intensidade quase hipnótica e sob o ponto de vista da arte contemporânea impede que a obra manifeste seu mal-estar para com o espaço – mal-estar que reside, ao menos em parte, seu significado.

A fotografia contemporânea se encontra numa situação parecida no que diz respeito às bordas, pois é um enquadramento e não há como aboli-lo. Porém, a função do enquadramento pode ser suprimida de certa forma. Com a não existência do punctum, a imagem perde também seu sentido de hierarquia entre as partes que a compõe. E se não há, no enquadramento, algo que reclame particularmente a atenção, todo o ponto da foto tem a mesma importância. A imagem sugere um espaço real recortado pelo enquadramento, como se fosse extraída de uma película cinematográfica ou de um vídeo. A fotografia perde então a função de pôr então em contato um sujeito com um objeto distante, e se torna uma superfície coberta de signos e códigos a serem decifrados. E se ela se torna coisa, sua modalidade de apresentação passa a ser relevante: colocado no espaço de exposição muda de significado dependendo do tamanho, moldura ou posição.

A obra de arte passa a se diferenciar do objeto comum, não por um acréscimo, mas por uma subtração de significado e a época contemporânea por sua vez promoveu a transformação de todo objeto em signo. Os lugares deixaram de ser espaços físicos, para se tornar pontos de rede de comunicação e nessa situação o que coloca a obra à margem do sistema produtivo, já não é seu caráter mental, mas sua substância de coisa, a impossibilidade de ser reduzida a mero signo. A abertura para um campo de leitura mais amplo, que inclua signo e coisa, se dá graças a uma frustração. O lugar próprio da arte se instala a um passo da insignificância.

Maria Cristina Pereira de Souza - Porto Alegre 2009

0 comentários: